LEITORES ASSÍDUOS (ou com vontade de sê-lo)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A PSEUDODEMOCRACIA

De modo a simplificar a exposição, digamos que há duas formas políticas de se conceberem as relações sociais, e ambas, creio eu, bastante justificáveis. A primeira é a elitista; a segunda, a democrática.

E digo serem essas formas justificáveis, porque tanto numa como noutra pode sempre nosso convívio encontrar um modo legítimo de ser. Quero com isso dizer que pode muito bem nossa sociedade funcionar sob uma ou outra dessas formas, ainda que partidários testudos de cada um dos lados tendam sempre a pôr em xeque a possibilidade de existência do outro.

Ora, ainda que tendamos a valorizar modos democráticos de organização social, forçoso é admitir não ser a democracia necessariamente superior em si mesma (o que, em bom latim, se dirá ótima). Outros tempos houve e outros povos (restrinjo-me por conveniência à história do Ocidente) em que abertamente se desfavorecia, e mesmo condenava-se, a democracia, e nem por isso creio acharmo-nos hoje numa posição indubitavelmente superior àquela de tempos idos, a ponto de verdadeiramente convencermo-nos de haver um irrevogável avanço rumo ao melhor, uma “evolução” nas relações humanas. Essa ilusão, infelizmente, terá decerto morrido junto com o séc. XIX.

O discurso político, como o jurídico, o científico e tantos outros, seguirá invariavelmente o tempo e os costumes do povo onde se vê inserido. Ninguém se apresentará, no Brasil de hoje, por exemplo, como contrário à democracia, visto ser essa forma de organização social entendida hoje como indubitavelmente a melhor. Que não seja assim necessariamente, eis o que deve ficar de imediato bem claro.

Esse, aliás, é um ponto sobre o qual hoje não me parece demasiado insistir, o de que não seja a democracia um valor em si; trata-se antes de um valor relacional. Tal compreensão decerto legitima uma posição elitista, mas ao fazê-lo dá igualmente como que nova cor à concepção democrática que buscamos defender.

Uma vez legitimados esses dois modos de se relacionarem politicamente as pessoas, seja na família, seja na escola, seja no bairro, na cidade ou no país, cabe-nos agora entender uma das pragas que vicejam em nossa sociedade, a saber, a pseudodemocracia.

Em palavras simples, é a pseudodemocracia a atitude aparentemente democrática de alguém que, na verdade, ou não crê, no fundo, nessa forma de organização social, ou, na melhor das intenções, não a compreende em toda sua extensão e, por isso, a adota equívoca ou impropriamente.

No primeiro caso, temos o hipócrita, o velhaco; no segundo, o simplório, o bronco, que, por melhores intenções que tenha, acaba invariavelmente descontentando a si e aos outros.

Ambos os casos, porém, se derivam do mesmo engano em que nos achamos hoje de entender que apenas a democracia seja legítima. Ora, diante disso, ninguém quer ser antidemocrático. Todos somos democratas de carteirinha, quando na verdade, infelizmente, não demorará muito a olhos atentos identificarem em nós o hipócrita ou o bronco, ou às vezes quem sabe um misto dos dois.

Concluo elogiando aqueles corajosos elitistas que se assumem abertamente como tal. Conheci alguns, poucos é verdade, e os leio ainda em menor número nos periódicos de grande estampa. Embora eu tenda sempre a discordar de suas posições, admito que com esses sempre me foi possível dialogar, visto esposarmos de fato posições antagônicas. Já com os pseudodemocratas, onde a possibilidade de diálogo!?

A morte do diálogo, eis aí talvez a mais triste consequência da pseudodemocracia...

6 comentários:

  1. gostei demais! tenho pensado nesta questão sob alguns ângulos diversos. em particular, indago-me quais são os limites à liberdade individual impostos pela democracia. e agora posso até entender melhor coisas da pseudodemocracia. por exemplo, esse negócio de "politicamente correto ou errado" e também o "raltivismo cultural".
    DdAB

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  2. Dondo, meu velho! Que prazer poder contar com um leitor assíduo de tão elevado quilate. Minha responsabilidade como autor só faz crescer. De fato, o estarmos tomando a democracia "for granted", como algo dado e não construído, nos tem conduzido a essas sinucas de bico. Vale a pena voltarmos a conceitos já hoje embolorados pela estupidez que vê nas ditas "ciências humanas" uma exatidão que ela não tem, nem, ao que tudo indica, jamais terá. Aliás, o velho e bom Aristóteles nos advertia contra esse erro. A liberdade será sempre o fiel da balança sempre que quisermos verdadeiramente considerar posições democráticas. Mas isso fica para um outro texto, que tu certamente saberás escrever melhor do que eu. Abraço e obrigado pelos encorajadores comentários!

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  3. fala Conrado! como até já conversamos, eu penso essa questão da democracia como um projeto, e não um fato dado. projeto em andamento e que na minha opinião já apresentou grandes progressos (as mulheres, os negros, os homossexuais, etc q o digam), mas que ainda apresenta gravissimos problemas, que cabem a nossa geraçao e as vindouras resolver. talvez o principal problema, a meu ver, seja a miseria, e a brutal desigualdade na distribuiçao de riquezas e poder, pois o que temos hoje é uma aristocracia disfarçada de democracia, temos um tipo de plutocracia. o caso é que uma democracia nao se faz apenas com eleiçoes diretas para os governantes, mas com justiça social e com uma cultura democrática, para que o povo seja realmente agente historico construtor do mundo em que vive, e nao apenas massa de manobra. democracia é tambem uma utopia, mas o q seria de nos se nao pudesssemos imagine al the people.. =)

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  4. Que alegria poder contar com leitores inteligentes e atentos! De fato, nada está verdadeiramente dado, caro leitor "desconhecido". Concordo contigo em gênero, número e caso! É certo que, como escreves, "o que temos é uma aristocracia disfarçada de democracia", "um tipo de plutocracia". Muito bom! Minha intenção foi (de modo simplificado, é verdade) a de algum modo buscar desmascarar não apenas gestores e governantes "soi-disant" democratas, mas ainda nós mesmos, que, lá no fundo, muita vez desesperamos desse exercício, desse projeto. Agradeço demais teu comentário. Grande abraço!

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  5. Conrado, primeiramente, parabéns pelo blog! Gostei muito. Foi um surpresa boa, mas esperava outras temáticas! Não sei o porquê...
    Trabalho numa instituição basicamente política e ouço palestras de cientistas políticos, muitos discursos...a realidade é frustrante!
    Abraços da tua "eterna" aluna, Adriana.

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  6. Obrigado pelo incentivo, Adri! Não percas a fé no teu "velho" professor, menina! Segue lendo, que outros temas virão. Quem sabe possas até me sugerir alguns... Abraço!

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