LEITORES ASSÍDUOS (ou com vontade de sê-lo)

quarta-feira, 14 de março de 2012

SEM ELE, O MUNDO VAI BEM

Houve um tempo em que morreria peleando pela ideia de que ler é fundamental para a educação dos jovens. Era então a formação do leitor a atividade primeira que eu supunha dever a escola desempenhar. Hoje ando mudado. Dos hábitos (bons e maus) que se me foram arraigando vida afora, um será decerto a leitura: não vou a lugar algum sem pelo menos um livro, no mínimo uma revista ou jornal (e, agora que descobri o Kindle, levo antes uma biblioteca!). Todavia, já não creio que esse mesmo hábito, que julgo prima facie bom e até louvável, deva ser objeto de proselitismo. E não se trata de laisser-faire, de I don't care, nada disso! O laisser-faire pode às vezes revelar-se covardia, e o I don't care pura irresponsabilidade. Ora, eu... I do care! Só não acho mais que... bom lá vai: só não acho mais que ler seja mesmo fundamental, pronto.

Não parece haver dúvida de que as sociedades letradas se desenvolveram mais do que aquelas em que pouca ou nenhuma atenção se deu à escrita. Igualmente, são de preferência dominantes as línguas que se lastreiam num sistema definido de escrita, sobretudo se esse sistema, respaldado em gramáticas e dicionários, tiver dado ensejo à produção de considerável arcabouço literário. Assim também, é o que nos parece, igualmente no plano individual, será mais bem sucedido aquele que demonstrar melhor comando da escrita, aquele cujo grau de letramento se revelar superior. O argumento aqui é, pois, de ordem prática: aprende a ler e a escrever bem, aprende, portanto, o teu bocado de gramática e desenvolve-o, que assim aumentarás tuas chances de um dia vires a te dar bem na vida.

Ler e escrever seriam, portanto, habilidades instrumentais para a ascensão social, tanto no nível macro, aquele de uma nação ou comunidade, quando no micro, naquele do indivíduo dentro de uma comunidade.

Observe-se, no entanto, que essa instrumentalização vem, mal ou bem, sendo feita na escola, seguindo-se depois no mundo do trabalho. Aprendemos a ler na infância e vamos lendo vida afora, atravessando de baixo a alto o sistema educacional, para a seguir, já no mundo do trabalho, darmos sequência à nossa formação, sempre cerrando mais e mais o foco. O problema aqui, me parece, não são aqueles que seguem o sistema educacional, senão aqueles, que por diversas razões, têm de abandoná-lo. Portanto, se tu seguires firme teu caminho dentro dos muros das instituições de ensino (sejam estas excelentes, médias ou mesmo ruins), tu encontrarás um dia de certeza teu lugarzinho ao sol. Never mind! Se apeares desse bonde do progresso, aí as coisas podem ficar ruinzinhas, bem ruinzinhas (ainda que se verifiquem, a confirmar a regra geral, as exceções do costume).

Mas quando lá atrás eu me batia pela formação do leitor na escola, juro que jamais cruzou pela minha cabeça essa ideia precípua de instrumentalização. No que pensava então era antes na leitura feita pelo único gosto de ler, pelo puro prazer de gozar, de fruir da leitura. E esta leitura, este tipo de abordagem é que me parecia fundamental na educação de nossos alunos; era essa leitura a que justamente se fazia (e se faz ainda) rara no ambiente escolar e na vida.

Como disse, ando mudado. Já não creio que ler assim seja de fato fundamental. Tenho conhecido homens bons e homens maus, felizes e infelizes, hipócritas e sinceros, ingênuos e matreiros, homens sábios e homens loucos, criativos e tansos, mas poucos de fato se qualificariam como cultores desse tipo “desinteressado” de leitura. Entenda-se que quase todos leem, claro, mas o fazem antes por dever da profissão, por mister tão somente.

O leitor por gosto, descomprometido, o leitor de romances, de poemas e contos, o leitor de longas obras escritas por autores há muito falecidos, esse leitor é raro.

Hoje estou convencido de que o mundo simplesmente não precisa desse leitor.

Sem ele, o mundo vai muitíssimo bem, obrigado.

13 comentários:

  1. eba! de volta!! quem não lê mal ouve, mal fala, mal vê. talvez também este adágio esteja com dias contados. digo isto com base na outra piada do jogo de xadrez para desenvolver o intelecto ou apenas desenvolver a habilidade de jogar xadrez. concordo em absoluto que a leitura técnica não poderá ser deixada de lado, pelo menos para o desenvolvimento do intelecto, como -menos ambiciosa do que o xadrez...- a matemática.

    mas há tempos dei-me conta de que grandes clássicos das letras chegam às gerações mais jovens (do que eu) por meio do cinema. o prazer de ler "O Alienista" torna-se o prazer de ver o "Azzillo Muito Louco", ou o que seja. e assim caminha a humanidade.
    DdAB

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Li numa das crônicas do Machado de Assis que, no seu tempo, não ultrapassava 30% (da população) o contingente de alfabetizados. Ele não revela (talvez não pudesse saber ao certo) que porcentagem desse contingente efetivamente lia. Supomos, dado o relativo sucesso do Bruxo do Cosme Velho, associado à qualidade de seu texto (pois nem sempre sucesso = qualidade), que aqueles que de fato (o) liam faziam-no bastante a contento, não te parece? Pois bem, nos dias que correm parece que somam 15 milhões aqueles que desconhecem inteiramente a língua escrita. Aceitando-se que estamos atualmente em 200 milhões de almas, teríamos mais de 90% da população em condições efetivas de atuar como leitores: mais de 180 milhões de pessoas! Claro, estamos longe desse número, e isso por muitas e consabidas razões. O Brasil de hoje busca qualificar-se para o trabalho -- eis uma prioridade. Está focado no trabalho e no crescimento econômico. A provocação que faço no texto acima me veio de pensar o que se dará quando (e se) um dia esse potencial público leitor encontrar tempo e gosto para a leitura de lazer... Pode até dar-se que venham a ler nossos blogues. Já pensaste? Abraço!

      Excluir
  2. Mas tu vens me dizer isto justo agora que tenho que ler Jacques Le Goff entre outros de difícil escrita. Ler continua sendo fundamental e a intelectualidade ainda vai ter de enfrentar muitos desafios de práxis para transformar este mundo n'algo melhor. Abrazos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Estás em formação, meu guri! E o Le Goff, como dizes, é um "tenho que", muito embora (e aí está o busílis) sempre se poderá unir o útil ao agradável. A leitura de trabalho se torna então também a do prazer. E neste momento de descoberta, de entrada no mundo acadêmico, num curso que escolheste, há certamente muito prazer nessas leituras. Toca ficha! Besos!

      Excluir
  3. Tenho dificuldade em engolir que um de meus prazeres está nessa situação, mas não posso discordar do que dizes. Devemos acrescentar que, dentre a população que lê por prazer, temos ainda uma maioria de leitores de best-sellers descartáveis e livros de auto-ajuda. Sinceramente não sei o que pensar disso.
    Talvez estejamos entrando em uma era descartável, uma era do imediato. Não sei de nada. Mas diacho, Graciliano era foda. Eu queria poder mostrar isso para as pessoas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A emoção de ler uma obra tão bem acabada como "São Bernardo" ou "vidas Secas", para ficar apenas no velho Graça, é, de fato, algo que, seres normalmente generosos e sociais que somos, gostaríamos de compartilhar. Isso é legítimo, isso é bom e justo. Querer que o próximo chegue a essa emoção na marra, isso já me parece demasiado. saber ler é condição necessária para se chegar à apreciação de um "chef-d'oeuvre"; não é (nunca foi, nem possivelmente jamais será) condição suficiente...

      Sabes aquela máxima, não? Podemos levar o bicho até o rio; daí a ele beber ou não a água, já é outra história.

      Excluir
  4. comecei a organizar minha postagem de hoje em meu próprio blog e caiu-me a ficha de teu título: "sem ele", deve-se falar em "eitura", o que daria num eito mal-feito. não é isto?
    DdAB

    ResponderExcluir
  5. Olá Conrado!

    Poxa, quando li esse texto relembrei o projeto de leitura que fizemos na Biblioteca do Campus Charqueadas, e como foi bom! Aqui na "minha" nova Biblioteca estou adotando estratégias de atrair o jovem leitor (jovem de idade e de experiência na leitura) pela seleção de um acervo atraente. Estou trabalhando no pedido de livros, e a minha estratégia é adquirir muitos livros de gosto popular (as coleções de gosto dos adolescentes, Bestsellers, etc etc), pois acredito que esses livros (não cabe a mim julgar ou censurar a qualidade deles) serão a minha isca para que esse público se interesse pela Biblioteca, pelo hábito de ler, por outras leituras... Que tal inverter a ordem? Começar pelo que dá prazer, para depois entrar no mundo dos clássicos? Tomara que eu tenha êxito!

    Me sinto muito grata por ter trabalhado junto contigo naquele projeto, foram momentos prazeirosos de muito aprendizado!

    Saudades da nossa turma de trabalho!

    Abraço, Paula

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Paula!

      Também eu tenho saudade da tua presença e atuação aqui no nosso Campus. É bem provável que tenhas razão quanto à estratégia: vamos do acessível ao mais complicado. Uma vez ouvi do Ruy Carlos Ostermann que o bebedor de vinho acaba achando o bom vinho. Talvez ele e tu estejam mesmo certos.

      Keep up with the good work!

      Obrigado pela leitura e o comentário.

      Grande abraço!

      Excluir
  6. Olá Professor CONRADO:

    Aqui quem escreve é o Rodrigo - fui seu aluno em uma disciplina da LINGUA INGLESA no 1o semestre de 1999 (tem tempo...); como vai?
    Achei teu nome aqui e resolvi entrar no seu site, bem bacana!
    Então vives em CHARQUEADAS... E nem sabia que eras originário de SÃO LOURENÇO DO SUL: conheço pessoas que curtem bastante o local; até tive vendo se ia até lá recentemente - estive em ARAMBARÉ e na volta de lá passei por CAMAQUÃ.
    Eu estudava TURISMO, a tal cadeira de INGLÊS 8: fiz para aprofundar mais o idioma.
    Não estou no Turismo; faço alguns trabalhos ARTESANAIS - algumas técnicas. E um site que criei deve ficar pronto em pouco tempo.
    E pela minha grande memória/baú mesmo (risos!)... Completas mais um outono hoje, não? FELICIDADES/TUDO DE BOM: eras um baita professor (apesar do pouco tempo que convivemos)...
    Seria isso.

    Abraço,
    Rodrigo O. Rosa

    internet_r@live.com

    ResponderExcluir
  7. Oi, Rodrigo!

    Puxa vida, quanto tempo! Legal teres te lembrando de mim! Fico tri-feliz por guardares boas memórias!

    Te enganas, porém, quanto a meu aniversário, que será somente em maio. Te agradeço os cumprimentos all the same.

    Assim que teu site estiver pronto, manda o link por aqui ou por e-mail. Estou te escrevendo já um e-mail para que saibas também o meu.

    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  8. alguém daí disse de livros descartáveis,mas o estômago humano foi feito para digerir traças e não celuloses...

    ResponderExcluir