LEITORES ASSÍDUOS (ou com vontade de sê-lo)

domingo, 15 de janeiro de 2012

O CÂNTICO DAS CRIATURAS

Olá, amigos leitores!

Faz já quatro semanas que não escrevo nada novo para este blogue. Quis dar um tempo, uma folga para mim (estou de férias) e também para quem me lê. Volto hoje, porém, e com mais uma tradução, e outra vez do italiano. Apenas, desta vez não é o italiano padrão, de origem toscana, senão uma variação deste, em dialeto medieval úmbrio.

Muitos de meus leitores decerto já conhecerão este texto. Trata-se de "O Cântico das Criaturas", também conhecido como "O Cântico do Irmão Sol". O autor é São Francisco de Assis, que o teria ditado, pelo menos parte dele, já no leito de morte.

São Francisco pertencia à classe emergente dos comerciantes, dos burgueses; por isso, teve boa educação, sabia o latim, etc. Contudo, o Cântico, diferentemente dos demais textos do grande gênio religioso, foi escrito diretamente na língua falada na Úmbria então. Por isso, tem esse texto também uma importância de documento literário, sendo um dos primeiros textos a compor o que hoje chamamos de literatura italiana.

São Francisco, como sabemos, era músico e gostava de cantar. Não é, portanto, improvável que esse cântico, esse hino de fé e otimismo, assim como aquele de Davi que ele parafraseia (salmo 148), fosse cantado; seria então, na verdade, o que hoje chamamos de letra de música. Vejam só!

Fim de papo.

Boa leitura e grande abraço!

CANTICO DELLE CREATURE

Altissimu, onnipotente bon Signore,
Tue so' le laude, la gloria e l'honore et onne benedictione.
Ad Te solo, Altissimo, se konfano,
et nullu homo ène dignu te mentovare.

Laudato sie, mi' Signore cum tucte le Tue creature,
spetialmente messor lo frate Sole,
lo qual è iorno, et allumini noi per lui.
Et ellu è bellu e radiante cum grande splendore:
de Te, Altissimo, porta significatione.

Laudato si', mi Signore, per sora Luna e le stelle:
in celu l'ài formate clarite et pretiose et belle.

Laudato si', mi' Signore, per frate Vento
et per aere et nubilo et sereno et onne tempo,
per lo quale, a le Tue creature dài sustentamento.

Laudato si', mi Signore, per sor'Acqua.
la quale è multo utile et humile et pretiosa et casta.

Laudato si', mi Signore, per frate Focu,
per lo quale ennallumini la nocte:
ed ello è bello et iocundo et robustoso et forte.

Laudato si', mi Signore, per sora nostra matre Terra,
la quale ne sustenta et governa,
et produce diversi fructi con coloriti fior et herba.

Laudato si', mi Signore, per quelli che perdonano per lo Tuo amore
et sostengono infrmitate et tribulatione.

Beati quelli ke 'l sosterranno in pace,
ka da Te, Altissimo, sirano incoronati.

Laudato s' mi Signore, per sora nostra Morte corporale,
da la quale nullu homo vivente pò skappare:
guai a quelli ke morrano ne le peccata mortali;
beati quelli ke trovarà ne le Tue sanctissime voluntati,
ka la morte secunda no 'l farrà male.

Laudate et benedicete mi Signore et rengratiate
e serviateli cum grande humilitate.


O CÂNTICO DAS CRIATURAS (tradução)

Altíssimo, onipotente e bom Senhor,
para ti sejam os louvores, a glória e a honra, e mais todas as bênçãos,
pois essas coisas todas, Altíssimo, somente a ti é que convêm
quando homem algum é digno sequer de mencionar-te.

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o irmão Sol,
que nos dá o dia, sendo por ele que tu nos iluminas.
E o Sol é belo e radiante.
Com grande esplendor, ele é de ti, Altíssimo, a própria imagem.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e as estrelas:
no céu tu as soubeste fazer resplandecentes, preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Vento
e pelo ar que movimenta, tornando o dia nebuloso ou sereno,
pouco importa, pois sempre é por ele que nos dás o sustento.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Água,
que, embora humilde, é sempre tão útil e muito preciosa.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Fogo,
por meio do qual podemos iluminar e aquecer as noites:
como ele é belo e alegre e robusto e forte!

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Terra,
que também é mãe nossa, pois nos sustenta e governa,
e produz frutas diversas e coloridas flores e ervas.

Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por amor a ti
e suportam doenças e aflições.

Benditos aqueles que souberem enfrentar pacificamente os problemas,
porque tu, Altíssimo, saberás recompensá-los.

E louvado sejas, meu Senhor, até por nossa Morte,
que também é irmã nossa,
pois dela ninguém que viva pode escapar.
E ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Mas benditos aqueles que, ao morrerem, tenham atendido as tuas vontades,
porque, quando vier a segunda morte, essa não lhes fará mal algum.

Louvemos, pois, o Senhor e lhe agradeçamos por tudo,
servindo-lhe sempre com grande humildade.

2 comentários:

  1. e aquela outra:

    "Deus dona mihi serenitatem accipere res quae non possum mutare fortitudinem mutare res quae possum atque sapientiam differentiam cognoscere"

    não era deste mesmo santo? e lembro dela, se não de outras fontes, da capa de um disco de Neil Young.

    boa semana!
    DdAB

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  2. Dondo:

    A frase latina que citas está, de fato, na capa (na parte de trás) do disco Re-ac-tor (1981), do canadense Neil Young. Leio, também, no Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Serenity_Prayer) que o autor dela teria sido o teólogo americano Karl Paul Reinhold Niebuhr (1892 - 1971), embora, parece, o próprio Niebuhr não tivesse toda a certeza disso (??).

    O signficado, como sabes, seria algo como "Deus, me dá serenidade para aceitar o que não posso mudar, coragem para mudar o que posso e sabedoria para poder distinguir uma coisa da outra".

    Não sei por que esse americano a teria vertido para o latim, ou elaborado diretamente nessa língua. No mesmo verbete da Wikipedia mencionado acima aparece o poema inteiro, em inglês.

    Observa que é uma oração:

    God, give us grace to accept with serenity
    the things that cannot be changed,
    Courage to change the things
    which should be changed,
    and the Wisdom to distinguish
    the one from the other.

    Living one day at a time,
    Enjoying one moment at a time,
    Accepting hardship as a pathway to peace,
    Taking, as Jesus did,
    This sinful world as it is,
    Not as I would have it,
    Trusting that You will make all things right,
    If I surrender to Your will,
    So that I may be reasonably happy in this life,
    And supremely happy with You forever in the next.

    Amen.

    Abraço!

    Conrado

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