Escrever
deve vir de uma vontade verdadeira de se comunicar com as pessoas.
Não devemos, por isso, escrever por escrever simplesmente, até
porque, com tanta coisa para se ler por aí, não será justo
aumentar indevidamente esse fardo às pessoas, que, embora sempre
possam encontrar algum prazer na leitura, não o terão
necessariamente naquilo que lhes escrevermos, por mais cuidadosa e
conscienciosamente que o façamos, nem deverão, penso, empregar seu
tempo a ler-nos quando o terão muito mais proveitosamente despendido
em outras e melhores leituras.
Estaria
aí, em palavras diferentes, uma das máximas de Paul Grice, a de que
não deveríamos falar, ou ocupar os ouvidos, neste caso os olhos,
alheios, a não ser quando aquilo que disséssemos ou escrevêssemos
tivesse de fato relevância. Seja, portanto, relevante!
É
claro que o pressuposto aqui é o de que a comunicação seja o
objetivo final da escrita. Talvez seja, mas o será de um modo um
tanto mais complexo do que simplesmente fazer com que uma mensagem
parta de um sujeito A para outro B.
Em
primeiro lugar, essa passagem de A a B de um dada mensagem não se dá
intacta. O professor indiano Rajagopalan, num seminário sobre o
famoso livro de John Austin How to do things with words
(“Quando dizer é fazer”, na tradução brasileira), nos dizia
que a linguagem tem essa tarefa intrínseca de transportador, mas
que, ao transportar a mensagem, ela necessariamente deixa que desta
se percam coisas. Seria inevitável. E isso explicaria por que,
apesar de nossos redobrados esforços, nosso interlocutor muitas
vezes não chega a compreender com a exatidão que desejamos aquilo que lhe queríamos dizer. Saem daí, possivelmente, os
mal-entendidos.
O
ideal da comunicação, me parece, seria mesmo a telepatia, a
comunicação direta do que nos vai pela cabeça à mente de nosso
“ouvinte”. Já sabemos, contudo, que não há telepatia senão
nos filmes de ficção científica, infelizmente. Depois, a
telepatia, se houvesse, só teria validade para os vivos, ao passo
que grande parte da comunicação relevante para o conhecimento se dá
é com os mortos!
Devemos
também considerar nessa relação A e B de interlocução o fato de
B poder ser ontologicamente idêntico a A. Isso se verificará,
senão quando pensamos, certamente quando monologamos. Haverá
decerto uma distinção linguística entre pensamento e monólogo.
Apenas parte do processo de pensar será de fato linguístico,
enquanto o monólogo, esse é inteiramente linguístico,
diferenciando-se, assim, do diálogo tão somente porque, neste, A e
B são dois seres ontologicamente distintos, ao passo que naquele
serão uma e a mesma pessoa. Isso nos leva, portanto, à conclusão
de que, para além de comunicar, terá a escrita uma função "não
comunicativa", uma função que talvez pudéssemos definir como
"organizadora do pensar"; donde se seguirá a estranha afirmação de que o próprio pensamento é
insuficiente à organização racional de nossas mentes.
E
este texto que ora se conclui possivelmente não terá sido senão
isto: um monólogo. Ao leitor de decidir se nele encontra-se algo que
para si se aproveite.
Sempre se aproveita!
ResponderExcluirainda que tardiamente, aproveitei. e evoquei o Funes do conto de J. L. Borges, que gastaria 24 horas se fosse narrar todos os acontecimentos do dia anterior. a antinomia é maravilhosa: claro que é impossível fazê-lo. é impossível narrar "tudo o que aconteceu". e mais maravilhoso ainda é que possamos escrever sobre coisas impossíveis.
ResponderExcluirDdAB